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Padre António Vieira [1608-1697] |
Procurei recortes que se relacionassem com assuntos de Gestão. Pareceu-me
ser uma forma diferente da habitual de mostrar a sua atualidade.
SOBRE COMO DECIDIR
O primeiro texto é sobre a guerra, mas pode-se generalizar a todos os
gestores que têm de decidir sobre assuntos complexos que envolvem os destinos
de grandes grupos de pessoas, como são as empresas, as instituições do estado
ou mesmo as nações. Conseguir ter segurança quanto às decisões a tomar é por
vezes muito difícil.
O Sermão de Santa Cruz foi apresentado na Festa dos Soldados, em 1638, na
Bahia, Brasil, perante a Armada Real e muita nobreza:
“(...) O maior perigo e perdição da guerra é cuidarem os doutores desta
arte que sabem tudo. Os sábios em qualquer faculdade mais sabem ouvindo que
discorrendo, e mais acompanhados dos que sós. “Meliores aestimantur qui soli
non omnia praesumunt” — diz o grande político Cassiodoro [1]: que sempre “Foram
estimados por melhores os que de si só não presumem tudo”. — Já se a presunção
do saber se ajunta à soberania do poder, como em Nicodemos [2] que era mestre e
príncipe, nestes dois resvaladeiros [3] está certo o precipício e a ruína. Para
conseguir efeitos grandes, e para levar ao cabo empresas dificultosas, mais
segura é uma ignorância bem aconselhada que uma ciência presumida
[sublinhado nosso].
A primeira vitória para alcançar outras muitas é sujeitar o juízo próprio
quem não é sujeito ao mando alheio. Perguntado Alexandre Magno com que
indústria ou com que meios em tão breve tempo se fizera senhor do mundo, diz
Estrobeu [4] que respondera estas palavras: “Consilii, eloquentia et art
imperatoria”: “Com os conselhos, com a eloquência, e com a arte de governar
exércitos”. No último lugar pôs a arte, e no primeiro o conselho, porque o
conselho é a arte das artes, e a alma e inteligência do que ela ensina. A arte
prescreve preceitos em comum, o conselho considera as circunstâncias
particulares; a arte ensina o que se há de fazer, o conselho delibera quando,
como e por quem (...) .”
Decisões complexas, implicam avaliar a realidade, saber quais as
alternativas disponíveis para a ação e escolher a melhor. Dificilmente uma
única pessoa consegue isoladamente, reunir as melhores destas competências. Por
isso, é preferível fazer participar nas decisões os que as têm de pôr em
prática. Fazer outros participar nas decisões é além disso criar união de
propósitos e valores, comprometer com a ação e motivar a vontade.
A decisão individualista pode parecer mais simples, mais rápida e com menos
dificuldades do que fazer participar pessoas com diferentes perspetivas, mas o risco
de fracasso é maior.
SOBRE O PLURIEMPREGO DAS ELITES
Um outro texto do Padre António Vieira de 1655, proferido em plena Capela
Real em Lisboa, o Sermão da Terceira Dominga [5] da Quaresma, remete-nos para um
tema interessantíssimo:
“(...) Há sujeitos na nossa corte que têm lugar em três e quatro
tribunais: que têm quatro, que têm seis, que têm oito, que têm dez ofícios [sublinhado
nosso]. (...) Não era cristão Platão, e mandava na sua república que nenhum
oficial pudesse aprender duas artes. E a razão que dava era porque nenhum homem
pode fazer bem dois ofícios. Se a capacidade humana é tão limitada que para
fazer este barrete são necessários oito homens de artes e ofícios diferentes,
um que crie a lã, outro que a tosquie, outro que a carde, outro que a fie,
outro que a teça, outro que a tinja, outro que a tose [6], e outro que a corte
e a cosa; se nas cidades bem ordenadas, o oficial que molda o ouro não pode
lavrar a prata, se o que lavra a prata não pode bater o ferro, se o que bate o
ferro não pode fundir o cobre, se o que funde o cobre não pode moldar o chumbo
nem tornear o estanho, no governo dos homens, que são metais com uso de razão, no
governo dos homens, que é a arte das artes, como se hão de ajuntar em um só
homem, ou se hão de confundir nele, tantos ofícios? (...)”.
A admiração do Padre António Vieira coincide com a nossa, principalmente
por já existir no século XVII o fenómeno dos cargos dirigentes em circuito fechado.
Esta prática tem sido associada ao sistema económico moderno [7], mas é bem
mais antiga. Já no tempo de Vieira existia uma elite que preenchia os cargos
mais importantes do poder, em sistema de pluriemprego.
SOBRE A MENSAGEM
Como o anterior sermão, o famoso Sermão da Sexagésima, é do mesmo ano de
1655 no mesmo local, a Capela Real. É um sermão magnífico, mesmo para pessoas
não religiosas, como é o meu caso:
Sobre a falta de eficácia da pregação junto dos índios do Brasil, perguntava
o Padre António Vieira “(...) Será porventura o estilo que hoje se usa nos púlpitos?
Um estilo tão empeçado, um estilo tão dificultoso, um estilo tão afetado, um
estilo tão encontrado a toda a arte e a toda a natureza? (...).” E recomendava
que o “estilo há de ser muito fácil e muito natural” e que o “sermão há
de ter um só assunto e uma só matéria” [sublinhados nossos].
“(...) Se o lavrador semeara primeiro trigo, e sobre o trigo semeara
centeio, e sobre o centeio semeara milho grosso e miúdo, e sobre o milho
semeara cevada, que havia de nascer? Uma mata brava, uma confusão verde. Eis
aqui o que acontece aos sermões deste género. Como semeiam tanta variedade, não
podem colher coisa certa. Quem semeia misturas, mal pode colher trigo. Se uma
nau fizesse um bordo para o norte, outro para o sul, outro para leste, outro
para oeste, como poderia fazer viagem?(...)”.
O pior para quem comunica é empregar maneirismos, percorrer desvios ou usar
apartes, que atrapalhem e anulem a concentração dos ouvintes sobre o assunto
principal que se pretende transmitir. Evitar complexidades
desnecessárias e ser direto, conciso, objetivo, claro e nunca demasiado
prolongado, são conselhos que ouvimos sempre dos especialistas em comunicação.
Um dos princípios mais conhecidos sobre eficácia da comunicação é o KISS (Keep
It Simple and Stupid – Mantém Isso Simples e Estúpido).
SOBRE PALAVRAS E AÇÕES
Outro texto também do Sermão da Sexagésima, quando o Padre António Vieira
explica que a questão fundamental da falta de eficácia da pregação não eram as
palavras:
“(...) A definição do pregador é a vida e o exemplo. Por isso Cristo no Evangelho
não o comparou ao semeador, senão ao que semeia. Reparai. Não diz Cristo: saiu
a semear o semeador, senão, saiu a semear o que semeia: Ecce exiit, qui
seminat, seminare. Entre o semeador e o que semeia há muita diferença. Uma
coisa é o soldado e outra coisa o que peleja; uma coisa é o governador e outra
o que governa. Da mesma maneira, uma coisa é o semeador e outra o que semeia; uma
coisa é o pregador e outra o que prega. O semeador e o pregador é nome; o que
semeia e o que prega é ação; e as ações são as que dão o ser ao pregador. Ter o
nome de pregador, ou ser pregador de nome, não importa nada; as ações, a vida,
o exemplo, as obras, são as que convertem o Mundo. O melhor conceito que o
pregador leva ao púlpito, qual cuidais que é? – o conceito que de sua vida têm
os ouvintes (...). Palavras sem obra são tiros sem bala; atroam, mas não
ferem [sublinhado nosso] (...).”
A palavra, o discurso, é menos eficaz do que possamos por vezes pensar. Um
dos campeões de vendas dos livros de gestão, o canadense Malcolm Gladwell [8],
esclarece no seu livro “Blink”: “(...) toda a gente sabe que é melhor ter um
especialista para mostrar-lhe – e não apenas dizer-lhe – como se joga o ténis
ou o golfe, ou se toca um instrumento. Aprendemos pelo exemplo e pela
experiência direta, porque existem limitações à capacidade da instrução
verbal [sublinhado nosso] (...)”.
A aprendizagem académica ou profissional, em aula, apenas pela leitura ou com
meios audiovisuais, é retida pelo ser humano em menos de 20% dos casos,
enquanto que por exemplo a aprendizagem prática, é retida com sucesso em mais
de 75% dos casos. Os pedagogos defendem que as crianças aprendem mais pelo
exemplo, do que pela retórica dos educadores, pais e professores [9].
Usei apenas três sermões, todos com mais de 350 anos, mas o Padre António
Vieira, tem muitos outros escritos: só sermões e cartas são às centenas. Este exercício
poderia prolongar-se até onde desejássemos sobre os mais variados temas.
NOTAS:
[1] Flávio Magno Aurélio Cassiodoro (490 — 581), político e escritor
romano.
[2] Nicodemos - fariseu que viveu no tempo de Jesus. Era membro do
Sinédrio e Mestre da Lei. Segundo o Evangelho de João, apoiava Jesus.
[3] Resvaladeiros – lugares inclinados e escorregadios onde se resvala com
facilidade.
[4] “Estrobeu” não encontrei. Poderá ser Estrabão (64 a.C.- 24 d.C.),
geógrafo grego que na sua “Geografia” tem inúmeras referências a Alexandre Magno.
[5] Dominga – domingo.
[6] Tosar – aparar a felpa do pano.
[7] Ver na Wikipedia “Elite theory” e como fenómeno relacionado “Interlocking directorate”. Poderá ter interesse, ver também na Wikipédia “Revolving door”.
Aconselho a leitura destes assuntos na Wikipédia em inglês. Em português, ou
não existem ou não estão suficientemente desenvolvidos.
[8] Malcolm Gladwell é escritor e jornalista. Todos os seus livros
entraram na lista dos livros mais vendidos do New York Times.