(A)– Generalidades
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Autocolante da revista Skeptical Inquirer |
Isso implica duas coisas muito importantes:
1- Ter
especial cuidado com a fonte da informação.
Os meios de comunicação profissionais são
considerados em geral os mais credíveis, no entanto é frequente serem
deficientes, insuficientes ou parciais quando relatam os acontecimentos. Então
a nível político isto é para mim muito evidente. Os jornais, rádios ou estações
de televisão têm quase sempre uma orientação editorial antigovernamental ou pró
governamental, de “direita” ou de “esquerda”, e mais raramente de “centro”.
Não devemos afirmar que os profissionais do jornalismo são deliberadamente pouco objetivos, mas se um noticiário televisivo ou radiofónico opta por dar destaque como assunto de relevância nacional, a meia dúzia de manifestantes pouco representativos, contra uma política governamental, é um critério de seleção da informação discutível, da responsabilidade de quem seleciona e organiza esse noticiário. A seleção e os títulos das notícias, a sua sequenciação, duração e relevância mostram de que lado está o noticiário. Nós sabemos, ao fim de vários anos de ler, ouvir e ver notícias, como implicitamente se posicionam [3] as principais televisões, as principais rádios e os principais jornais dentro do espetro partidário: mais à esquerda, ao centro ou mais à direita. É nesse contexto, que o jornalista, honesto e trabalhador sem dúvida, é contratado, formado e tem a sua carreira - ao serviço da máquina informativa onde está integrado.
As instituições humanas, por muita
descentralização ou independência individual que proclamem, regulam-se todas
pela mesma fórmula básica: a lealdade é condição de funcionalidade da
hierarquia/liderança. Por isso devemos, sempre que julguemos importante,
consultar e analisar as fontes primárias ou de origem, das notícias dos media.
No caso dos políticos, ler ou ouvir as declarações que proferiram e o contexto
em que as produziram, consultar os textos originais dos relatórios e propostas
(do governo ou da oposição) apresentados, e só depois elaborar uma opinião.
Claro que regra geral não temos tempo para fazer
isso. Temos mais que fazer na nossa vida e limitamo-nos a receber a informação selecionada
e “mastigada” dos media. Mas quando o assunto é deveras significativo, isso é
capaz de me acontecer em média uma vez por mês, esforço-me para “perder” por
exemplo uma hora, à volta de um assunto que me interessa. Isto aplica-se também
às notícias internacionais. Os media muitas vezes só destacam as partes ou os aspectos que mais lhes interessam.
Se são assuntos de natureza científica, existem as
revistas especializadas. Mas mesmo estas, exibem por vezes apriorismos que distorcem
a realidade conforme conveniências e interesses instalados, particularmente no
caso das chamadas “ciências sociais”, mas não só.
2- Ser
crítico
A crítica implica estarmos suficientemente
disponíveis para pensar se o contrário de uma afirmação não poderá ser
igualmente defensável e com que argumentos e fundamentos, pesar os prós e os
contras de cada posição, procurar um caminho intermédio ou um caminho
alternativo com diferentes pressupostos. São processos que usamos mentalmente
para ajuizar sobre o que nos rodeia.
Estar alerta e colocar em causa ações, atitudes e
opiniões não significa contradizer tudo e todos verbalizando estas questões,
exceto se tivermos alguma vocação de eremita. Depois o exercício também não
deve ser levado ao extremo. Torna-se cansativo, e não procuramos uma implosão cerebral
paralisadora, além de que que as prioridades e os interesses do dia-a-dia
sempre se devem sobrepor às manias intelectuais que possamos ter. Moderação e
bom senso em tudo.
Ser crítico não obriga a ser intolerante, negativo,
destrutivo e muito menos agressivo. A melhor crítica é quase sempre aquela que
se afirma educadamente pela positiva e em certas circunstâncias, se não
soubermos de uma alternativa, mais vale pensar melhor antes de dizer ou de
fazer algum disparate. Ser crítico é ainda um exercício corajoso que devemos a
nós próprios: será que estamos a tomar as melhores decisões? A pensar e a agir
acertadamente? Estamos seguros dos nossos objetivos? Precisamos de mudar algo?
Isto nada tem que ver com a “auto crítica” [4] partidária
ou com a “confissão” [5] religiosa, rituais desenhados para reconduzir ao dogma
quem dele se afasta. Ser crítico é precisamente o contrário: é ser capaz de
questionar tudo, inclusive as chamadas “verdades absolutas”.
Substituir um dogma com o qual não concordamos por
outro, igualmente desprovido de prova não é ser crítico. Muitas vezes quando
não dispomos de uma resposta afirmativa que possa responder ao assunto em
causa, podemos também apresentar as nossas dúvidas como base do nosso
pensamento. Expressar uma dúvida, como sabemos, é algo do mais honesto que
podemos fazer com os outros e é do senso comum ouvir que “da discussão nasce a
luz” e que “várias cabeças pensam melhor do que uma”. O que é infelizmente muito
fácil de encontrar são falsas certezas, mascaradas de assertividade e nos
piores casos, de arrogância.
(B)– O problema da existência de Deus
Leio e sigo atentamente duas revistas céticas, a Skeptical Inquirer [6] e a Skeptic [7]. Mas curiosamente não consigo concordar com todos os conceitos
defendidos por estas revistas: em vários assuntos considero-as dogmáticas. Ora,
o verdadeiro ceticismo só deveria defender conceitos cientificamente demonstrados.
Um cético é aquele que discorda sobre os dogmas que lhe pretendem impingir,
mesmo se estes lhe aparecerem com o carimbo aprovador de um “movimento cético”.
O pecado do movimento cético dos nossos dias é o de ter aderido a
algumas falsas “verdades” como é o caso da discussão entre a existência vs a
não existência de Deus.
Para uma pessoa religiosa em princípio o problema não existirá: acredita na
existência de Deus, e com essa crença tem o problema resolvido. Não é o meu
caso, visto que sobre a existência ou não de Deus não tenho provas científicas,
tanto pode existir como não. Não dispondo de meios de prova sobre qualquer das
hipóteses, vivo com essa dúvida. É incómodo, reconheço. Assim, não sou
religioso nem ateu. Além do mais, não me limito a apontar os defeitos da
religião, ou vê-la apenas pelos seus aspetos negativos.
Portugal foi muito prejudicado pelo fundamentalismo católico e mais tarde
pela Contra Reforma, principalmente após o fim do reinado de D. João II [8],
tendo sido esse fundamentalismo a primeira causa da expulsão dos portugueses
judeus, da decadência do país no segundo e terceiro quartos do século dezasseis
e da bárbara repressão e tortura de milhares de inocentes pelo menos até ao Marquês
de Pombal [9]. Enquanto portugueses, não nos devemos
esquecer de quem ao longo da história, várias vezes, nos quis mal e nos
prejudicou – da mesma forma não nos devemos esquecer de quem nos ajudou nos
momentos de aflição.
Tenho também consciência do papel cultural da religião, como fator agregador e unificador civilizacional, e reconheço por exemplo no meu país (e em mim próprio, sem ser religioso), a grande influência da religião de raiz judaico-cristã, herdada da romanização, a par do latim, e o importante papel que desempenhou na reconquista e nos primeiros tempos da nacionalidade. Tenho até curiosidade pelo folclore popular religioso, com os seus santos, as suas lendas, romarias e festas, celebro com prazer em família, as épocas natalícia e pascal e respeito sinceramente as convicções religiosas que cada um possa ter.
Respeito, não significa indiferença, nem que concorde com uma famosa frase
de um livro de Robert Heinlein [10], também ele um agnóstico: “ Não existe
prova conclusiva da vida depois da morte, mas não há qualquer tipo de evidência
do seu contrário. Cedo saberás, porquê tanta preocupação com isso?” Entendo que
é importante discutir o assunto e preocupo-me com ele (como se preocupava, e
muito, Heinlein, apesar da citação). Por isso concordo com Richard Dawkins [11],
ateu militante, quando defende que vale a pena discutir a fé e a religião.
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Como surgiu este formidável universo que habitamos? (Foto do Hubble) |
Uma das minhas maiores perplexidades é recente. O CSI (Committee for Skeptical Inquiry – Comité para a Investigação Cética) [12] que publica a revista Skeptical Inquirer tem como fundadores alguns dos meus antigos heróis científicos, como foram o caso de Carl Sagan [13] e de Isaac Asimov [14]. Ora, o CSI acaba de se fundir com a Fundação Richard Dawkins, de inspiração ateísta, cuja missão principal é fomentar a criação de uma “sociedade secular” [15]. Não me parece que esse objetivo seja compatível com o que deveria ser o pensamento cético do CSI, que deveria estar aberto à dúvida, à curiosidade e à pluralidade, embora contrário e denunciante de mentiras e de vigarices.
Há religiosos e religiões de diferentes tipos, monoteístas, politeístas,
panteístas, etc., assim como há vários tipos de agnosticismo. Há agnósticos,
que mesmo reconhecendo que não têm provas, acreditam que Deus provavelmente não
existirá. Outros, perante os mesmos fatos, acham possível que possa existir. Há
agnósticos que acreditam que a ciência um dia poderá provar se Deus ou Deuses
existem ou não, enquanto outros duvidam dessa hipótese, etc. Não faço a mínima
ideia, embora gostasse de ver um dia uma qualquer prova afirmativa ou negativa.
No fim de contas, há ainda muitas coisas que não conseguimos compreender, a
principal das quais é o absurdo da existência de tudo, do universo, dos conceitos
de finito/infinito, da matéria, do espaço/tempo, etc. Quanto mais sabemos, mais
conscientes ficamos do quanto nos falta perceber. O próprio conceito de "Deus" é para mim incompreensível. Compreenderia melhor que uma espécie de seres mais avançada e evoluída que nós, fosse capaz de construir um universo [16]. Com ou sem Deus(es) no meio
da equação, tudo é possível, inclusive o que ainda não somos capazes de sonhar.
Observações:
[01] Ceticismo – um cético tem mais dificuldade em ter certezas e é mais
propenso à dúvida, mas o ceticismo individual e o ceticismo enquanto movimento
organizado podem não ter correspondência em termos de valores. Tal como uma
revista científica, que é produto do trabalho de um grupo específico de
pessoas, pode apresentar artigos e defender ideias com as quais nem todos os
cientistas da mesma área concordem.
[02] Método científico – (1) Identificar o problema a resolver (2) apurar
os dados relevantes (3) formular uma hipótese a partir dos dados (4) testar na
prática a hipótese. O que se pretende com o método científico é limitar a
subjetividade e o erro e aumentar a objetividade, usando a lógica, unidades de
medida e processos reproduzíveis por terceiros.
[03] Posicionamento político dos meios de comunicação profissionais: tenho
admiração pelos media que editorialmente declaram posições políticas pró
partidárias durante os períodos eleitorais. Não é comum em Portugal, onde os
media se tentam todos disfarçar de “equidistantes” e “objetivos”. É ridículo,
quando é fácil compreender os lados da barricada que ocupam.
[04] Auto crítica: as sessões de “autocrítica” por exemplo dentro das
células partidárias comunistas destinam-se a corrigir os erros dos “camaradas”
que ou demonstram pouco “empenhamento e convicção revolucionária” ou não cumprem
com “as linhas de orientação do partido” ou desobedecem aos “princípios e valores do
marxismo-leninismo”. É principalmente um mecanismo disciplinador para o “controleiro"/chefe,
sempre num enquadramento mental e
ideológico pró-comunista.
[05] Confissão: no catolicismo o “perdão” dado acaba por funcionar em
muitos casos apenas, como um alívio do “fardo” dos pecados confessados - que podem
incluir não apenas ações, mas também intenções e pensamentos (por ex: inveja, visto
que Deus “sabe tudo”) - mas em teoria, com este ritual “sacramental” de
arrependimento/penitência, pretende-se evitar
novos pecados e reforçar a “Fé”.
[06] e [7] Skeptical Inquirer e revista Skeptic: aconselho vivamente a quem
estiver interessado no pensamento cético a pelo menos comprar alguns números destas duas revistas em formato digital e em
subscrever pelo menos uma das duas.
[08] Rei D. João II (1455-1495) –
Foi com ele que se deu o impulso decisivo para a descoberta do caminho marítimo
para a Índia. Centralizador e autoritário. Um das figuras mais admiradas da História
de Portugal.
[09] Marquês de Pombal (1699-1782) – Foi secretário de estado do reino
(chefe do governo) durante o reinado de D. José. Embora oficialmente a
Inquisição tenha continuado a existir após o reinado de D. José, o Marquês de
Pombal - e Conde de Oeiras, Sebastião José de Carvalho e Melo – na prática esvaziou
os seus poderes.
[10] Robert Heinlein (1907 – 1988) – Notável escritor de ficção científica.
[11] Richard Dawkins (n.1941) – Notável biólogo, escritor e ativista ateu.
[12] CSI (Committee for Skeptical Inquiry – Comité para a Investigação
Cética)
[13] Carl Sagan (1934 – 1996) – Notável divulgador científico, astrofísico
e escritor.
[14] Isaac Asimov (1920 – 1992) - Notável escritor de ficção científica e de
divulgação científica.
[15] Sociedade secular – significa uma absoluta separação e neutralidade do governo e do estado face à religião - sendo desejável em teoria, é impossível enquanto existirem seres humanos religiosos que façam parte do governo e do estado, e existirem maiorias sociais religiosas. Na prática, equivaleria a ser anti-religioso, o que nenhum político se atreveria a fazer. Por exemplo, agora na comemoração dos 100 anos de Fátima, em nome dessa separação, nenhum político (do governo, do parlamento,etc) iria à Cova de Santa Iria. Está-se mesmo a ver que aquilo será uma romaria para os políticos, embora todos possam defender em palavras o secularismo.
Um cético não deve tomar posição contra a religião, a não ser quando as instituições religiosas fomentem conceitos e práticas que conflituem com os direitos e liberdades de uma sociedade democrática. Nesses casos as religiões devem ser criticadas, como qualquer outra instituição humana - política, social ou cultural. Um exemplo, é que poucas religiões aceitam a igualdade de género, mas é legítimo questionar também se essa igualdade existirá noutras instituições.
[16] Bertrand Russel (1872-1970) não acreditava que a existência do mundo pudesse ser explicada por Deus, porque "Se tudo tem uma causa, então Deus deve ter uma causa. Se puder existir algo sem causa, tanto pode ser o mundo como Deus". A meu ver pode não ser assim na hipótese da existência de seres de um universo diferente com outras regras físicas - terem criado o nosso próprio universo, porque nesse caso, já estaremos menos à vontade para poder generalizar um princípio de casualidade que possa funcionar da forma a que estamos habituados. Para quem souber inglês e quiser imaginar universos diferentes, aconselho que vejam este vídeo de Carl Sagan.
Um cético não deve tomar posição contra a religião, a não ser quando as instituições religiosas fomentem conceitos e práticas que conflituem com os direitos e liberdades de uma sociedade democrática. Nesses casos as religiões devem ser criticadas, como qualquer outra instituição humana - política, social ou cultural. Um exemplo, é que poucas religiões aceitam a igualdade de género, mas é legítimo questionar também se essa igualdade existirá noutras instituições.
[16] Bertrand Russel (1872-1970) não acreditava que a existência do mundo pudesse ser explicada por Deus, porque "Se tudo tem uma causa, então Deus deve ter uma causa. Se puder existir algo sem causa, tanto pode ser o mundo como Deus". A meu ver pode não ser assim na hipótese da existência de seres de um universo diferente com outras regras físicas - terem criado o nosso próprio universo, porque nesse caso, já estaremos menos à vontade para poder generalizar um princípio de casualidade que possa funcionar da forma a que estamos habituados. Para quem souber inglês e quiser imaginar universos diferentes, aconselho que vejam este vídeo de Carl Sagan.